O Sermão de Adeus do Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele)
Na sexta-feira, dia 9 do mês de Dhu ‘l-Hijja do ano 10 do calendário islâmico, na elevação de terra chamada Montanha da Misericórdia, no momento mais sagrado do ritual da Peregrinação (Hajj), o Profeta Muhammad (que a bênção e a paz de Deus estejam com ele), que morreria pouco tempo depois, fez o seu último sermão para a comunidade muçulmana reunida. Este sermão é considerado seu testamento, pois recapitula os pontos principais da religião: a sacralidade da vida, dos bens e da honra dos muçulmanos; os deveres para com as mulheres; a abolição de toda discriminação racial e social que não seja baseada na piedade e no temor de Deus; a primazia do Alcorão e da Sunna.
A tradução a seguir foi feita com base num hadith narrado por Ahmad Ibn Hanbal, com poucos acréscimos de outros hadiths.
Louvado seja Deus! Nós O louvamos, pedimos o Seu auxílio, imploramos o Seu perdão e a Ele nos convertemos. Refugiamo-nos em Deus contra os males da nossa alma e as perversidades das nossas ações. Aquele a quem Deus orienta jamais se perderá, e aquele a quem desencaminha jamais encontrará quem o guie. Dou testemunho de que não há divindade exceto Deus, o Único, Aquele que não tem parceiros; e dou testemunho de que Muhammad é Seu servo e mensageiro.
Recomendo-vos, ó servos de Deus, o temor de Deus, e vos encorajo a obedecer-Lhe, e começo pelo melhor. Ó homens! Ouvi o que vos explico, pois não sei se depois deste ano vos encontrarei novamente neste lugar.
Ó homens! O vosso sangue e a vossa honra são sagrados para vós como são sagrados este dia, este mês e este lugar! Acaso não vos transmiti a mensagem? Sê testemunha, ó Deus! Todo aquele a quem algo foi confiado tem o dever de devolvê-lo a quem lho confiou. Lembrai-vos que encontrareis vosso Senhor, que vos pedirá contas de vossos atos.
Em verdade, a usura da Era da Ignorância está abolida; no entanto, tendes direito ao principal que emprestastes. Não pratiqueis a injustiça e não sereis injustiçados. Deus decretou que não haverá mais usura, e a primeira usura a ser abolida é a de meu tio paterno Al-‘Abbas ibn ‘Abd al-Mutallib. As vinganças de sangue da Era da Ignorância estão abolidas, e o primeiro sangue cuja vingança será abolida é o de [meu primo] ‘Amir ibn Rabi’a ibn al-Harith ibn ‘Abd al-Muttalib. As distinções hereditárias da Era da Ignorância também estão abolidas para sempre, com exceção da custódia da Ka’ba e da responsabilidade de dar de beber aos peregrinos.
O homicídio voluntário será punido por talião. O preço da morte não intencionada que decorre de um ferimento infligido por um pau ou uma pedra será de cem camelos, e todo aquele que exigir mais ainda vive na Era da Ignorância.
Ó homens, Satanás desesperou de ser adorado nesta terra vossa, mas contentou-se em ser obedecido em outras obras vossas que julgais de menor importância. Precavei-vos dele, pois, em vossa religião.
Ó homens, o ato de adiar o mês sagrado [para que se possa continuar uma guerra] é um acréscimo de descrença pelo qual os descrentes são desencaminhados. O tempo deu uma volta completa e retornou ao ponto em que estava no dia em que Deus criou os céus e a terra, e o número de meses para Deus é de doze, como decretou no dia em que criou os céus e a terra. Deles, quatro são sagrados, três em sequência (Dhu ‘l-Qa’da, Dhu ‘l-Hijja e Muharram) e um sozinho (Rajab). Acaso não vos transmiti a mensagem? Sê testemunha, ó Deus!
Ó homens, em verdade vossas mulheres têm direitos sobre vós, assim como vós tendes direitos sobre elas: que não partilhem vossos leitos com mais ninguém; que não deixem entrar em vossas casas pessoas de quem não gostais, sem a vossa permissão; e que não cometam indecência. Se fizerem alguma dessas coisas, Deus vos deu permissão para admoestá-las, expulsá-las de vossos leitos ou bater-lhes de um modo que não cause dano. Se elas, porém, se emendarem e vos obedecerem, deveis alimentá-las e vesti-las com benignidade. Tratai bem as vossas mulheres, pois elas são para vós como prisioneiras, não tendo livre disposição sobre suas pessoas. Deus as entregou a vós em confiança e por Sua palavra tornou legítimas para vós as relações sexuais com elas. Temei, pois, a Deus no que diz respeito a vossas mulheres! Acaso não vos transmiti a mensagem? Sê testemunha, ó Deus!
Ó homens, em verdade os crentes são irmãos, e não é permitido que se tomem os bens de uma pessoa, exceto com seu pleno consentimento. Depois que eu me for, não retorneis à incredulidade, golpeando-vos mutuamente, pois deixei-vos duas coisas que, se a elas vos aferrares, não vos desviareis jamais: o Livro de Deus e os costumes de Seu Profeta. Acaso não vos transmiti a mensagem? Sê testemunha, ó Deus!
Ó homens, em verdade o vosso Senhor é um só e o vosso pai é um só: todos vós viestes de Adão, e Adão veio da terra. Para Deus, os mais nobres dentre vós são os mais piedosos! O árabe não é superior ao não árabe, nem o não árabe é superior ao árabe; o branco não é superior ao negro, nem o negro é superior ao branco – a não ser pela piedade. Acaso não vos transmiti a mensagem? Sê testemunha, ó Deus!
(Todos, então, responderam: Sim!)
Ao final do sermão, o Profeta (que a bênção e a paz de Deus estejam com ele) recomendou que suas palavras fossem comunicadas pelos presentes aos ausentes, saudou a todos com a paz de Deus e perguntou: “Se acaso vos perguntarem sobre mim, o que direis?” Responderam: “Damos testemunho de que transmitiste a mensagem, fizeste jus à confiança que Deus depositou em ti e nos deste os melhores conselhos.” Ele, então, elevou o dedo indicador para o céu, apontou-o para o povo e disse três vezes: “Ó Deus, sê testemunha! Ó Deus, sê testemunha! Ó Deus, sê testemunha!”